Do Convento para o Evangelho
Testemunho da Irmã Charlotte Keckler
Ex-freira que fugiu de um convento de clausura
Parte 2
Depois que os votos foram assinados, todas as minhas identificações pessoais foram destruídas.
Sessenta dias antes, a Madre Superiora tinha posto uma folha de papel diante de mim. Ela disse que não
era para eu ler, apenas assinar no fim da página. Não me dei conta de que, assinando aquilo, eu estava
cedendo toda a herança que viria a ter. Agora ela pertencia legalmente ao convento. Quando meu irmão foi ordenado sacerdote, ele também assinou um documento semelhante, deixando tudo para a hierarquia do catolicismo romano. Não existe advogado nesta terra que possa revogar essa confiscação, pois eu já
investiguei isso.
Quando fiz os votos perpétuos, cedendo minha vida e minhas posses, eu tinha vendido minha alma a preço de banana. Não é só no corpo que as freiras são sistematicamente destruídas, mas centenas delas
têm suas mentes abaladas e morrem prematuramente debaixo da cruel e melancólica escravidão do
convento. Devemos orar em favor dessas isoladas do mundo e do evangelho, presas em terríveis cadeias
espalhadas pelo mundo, chamadas conventos de clausura.
A Madre Superiora depois deu uma chave de braço em mim, e nós descemos até uma outra sala. Um sacerdote católico romano, que estava no fim da sala, vestido como de costume, veio ao nosso encontro.
A madre me soltou. O sacerdote deu alguns passos e quis me agarrar.
Recuei, horrorizada, pois em todos os meus anos no convento nunca um sacerdote sequer tinha se aproximado de mim. Eles sempre tinham sido gentis, atenciosos e muito educados. Alguma coisa na
maneira de ele me tocar e o seu olhar lascivo me insultaram e causaram-me repulsa, embora eu não
soubesse exatamente o porquê. Acanhada pela situação, dei um empurrão nele e explodi: "Tenha vergonha!" Senti-me desonrada e ameaçada. O rosto dele se avermelhou e ele ficou muito bravo por eu ter rejeitado sua proposta de me levar para a "câmara nupcial".
É claro que a Madre Superiora estava ouvindo aquilo, pois ela voltou rápido, chamou-me pelo meu nome do convento e disse que depois de algum tempo eu não me sentiria mais assim. Ela disse que, no
começo, todas as freiras se sentem daquele jeito e rispidamente me lembrou da cerimônia de casamento
pela qual eu tinha passado, bem como da minha obrigação. Ela disse que o corpo de um sacerdote é santificado, e o que eles fazem não é pecado. Fiquei aterrorizada e chorei histericamente. Minha mente estava confusa, e me recusei a aceitar o que ela disse.
Ela ficou muito brava e disse friamente: "Assim como o Espírito Santo pôs a semente no útero da Virgem Maria e Jesus Cristo nasceu, o sacerdote representa o Espírito Santo, então não é pecado as freiras terem filhos."
Eu mal podia acreditar no que estava ouvindo. Eu já tinha decidido e agora era tarde demais para voltar atrás!
Aquela afirmação medonha me deixou fora de si. Quando ela finalmente me deu permissão para falar, explodi: "Madre Superiora, por que não me contou sobre isso antes dos meus votos perpétuos?" Ela
franziu firmemente os lábios, mas não disse nada.
Não é necessário dizer que eu estava estarrecida e em estado de choque e horror com o que ela estava dizendo. Parecia um pesadelo inacreditável. Não tinha como voltar atrás. Eu não podia sair do convento.
Chorei histericamente e disse ao sacerdote que queria ir para casa. Implorei a ele que chamasse meu pai
para vir me buscar. Não quero falar muito sobre isso. Todas as minhas ilusões tinham sido destruídas e
não posso conceder a imagem que estava passando diante de mim.
Contei a eles que, três meses antes de sair de casa para ir ao convento, aos 13 anos, minha mãe me disse que preferiria cavar minha sepultura com as próprias mãos e me enterrar do que ouvir dizer que eu tinha perdido a minha virgindade. Como eu não conhecia nada sobre sexo, então ela me explicou. Quando contei isso ao sacerdote e à Madre Superiora, eles riram de mim como tolos. Eles acharam graça da
minha ingenuidade e inocência.
Quando se tem contato com esse tipo de coisa, posso dizer que você está absolutamente sozinho. A comunicação com amigos e entes queridos já foi cortada. Isolado, você não tem ninguém para te ajudar,
nem com quem contar. Logo você começa a entender a total falta de esperança da sua situação. É como
acordar e descobrir que um terrível pesadelo não é sonho, mas uma espantosa realidade.
Eu agora pertencia a Roma e ao Papa, e a Madre Superiora tinha me entregado para um sacerdote lascivo que ainda por cima tinha me convidado para ficar com ele na "câmara nupcial". Eu não entrei no
convento para me tornar má, mas uma mulher santa, dando meu coração e minha vida para Deus.
Rejeitei firmemente ter contato sexual com ele e eu era forte o bastante para uma luta, caso ele tivesse insistido. A fim de preservar a minha virgindade, eu estava preparada para lutar até derramar a minha última gota de sangue.
Quando assinei aqueles votos com o meu próprio sangue, não percebi a monstruosidade do que tinha feito. Eu tinha aberto mão de todos os direitos humanos, para me tornar um robô em forma de gente. Dali em diante, eu não poderia sentar, ficar em pé ou falar sem permissão. Eu não poderia me deitar, comer ou fazer qualquer coisa, a não ser que fosse autorizada pelos meus superiores. Eu tinha permissão para ver, ouvir e sentir apenas o que eles queriam e ordenavam. Eu tinha me tornado uma marionete da
hierarquia do catolicismo romano.
A etapa seguinte foi a minha iniciação e, para isso, eu tinha que ir ao convento que me designaram. Eles tinham o meu passaporte todo assinado e as passagens compradas, para me mandar de navio a um país
estrangeiro. Dois sacerdotes nos encontraram no navio, e fomos levadas para as montanhas, com o rosto
coberto por um grosso véu, para sermos postas no piso subterrâneo de um convento de clausura. É claro
que, quando o sacerdote se sentava na sala de estar da nossa casa, ele nunca disse ao meu pai que eu
viveria por anos em pisos subterrâneos de uma terra estrangeira.
No novo convento, submeti-me às penitências das iniciantes. Depois de três ou quatro dias, cerca de 09h00 da manhã, a Madre Superiora disse para a acompanhar. Ela falou que iríamos fazer penitência, e
que eu começaria a minha iniciação de freira Carmelita. Lembro quando ela me conduziu por um túnel escuro, até uma sala que ficava no piso inferior. Eu sempre tinha morado no primeiro piso, mas, depois de receber o véu preto, morei no primeiro e no segundo nível dos pisos subterrâneos. Quando entramos
naquela sala fria e escura, estava difícil de enxergar, pois a luz que ali estava vinha de sete velas. Eu
estava assustada e apreensiva, não sabendo o que esperar, nem o que ela tinha planejado para mim.
À medida que caminhávamos, pude enxergar uma freira deitada em uma tábua de quase dois metros de comprimento, uma tábua fria. Percebi, chocada, que ela estava morta. Embora eu não estivesse com
medo da freira morta, meu coração se compadeceu dela. Quando assinei os votos perpétuos, eu tinha
inconscientemente aberto mão de todos os direitos humanos. Eu não podia ver, ouvir, reclamar, sentir
nem murmurar. Eu tinha ouvidos, mas não me era permitido ouvir. Tinha olhos, mas não podia ver. Tinha sentimentos, mas logo seria obrigada a abafá-los. Quando estava olhando o corpo, muitos pensamentos e perguntas vieram à minha mente, mas eu tinha que ficar em silêncio. "Como e por que ela morreu?"
Antes de sair, a Madre Superiora ordenou que eu ficasse vigiando o corpo, em pé, por uma hora. Ela mandou que, de vez em quando, eu jogasse cinza e água benta no corpo, e repetisse "Paz esteja contigo". Depois de uma hora, ouvir-se-ia o barulho de um sino e, da escuridão misteriosa atrás de mim,
uma outra freira viria para me ajudar. Tendo em vista que ela viria descalça naquele chão sujo, nenhum
barulho seria ouvido. Éramos proibidas de falar, por isso, quando chegou, ela estendeu a mão e tocou no
meu ombro. Pulei de medo e comecei a gritar histericamente, com toda a minha voz.
Este deslize significava que eu deveria ser punida, sendo jogada em uma masmorra escura e suja. Lá, eu ficaria por três dias e três noites, sem comida e água, só porque eu tinha cometido um crime terrível -
gritar de medo. Posso garantir que nunca mais gritei outra vez. No convento, você aprende bem rápido a obedecer às regras.
No quarto dia, a Madre Superiora me disse que nós iríamos fazer penitência outra vez, indo para outra câmara escura nos subterrâneos do convento. Começamos a caminhar pelos túneis (havia mais de 50 quilômetros de túneis debaixo daquele convento) e, fora as velas, não havia nenhuma luz nas salas por
onde passávamos. Ela me conduziu para dentro de uma ampla sala de penitência. Entramos devagar,
olhando para baixo.
Na pálida luz da vela, vi naquela sala as costumeiras imagens de Jesus e Maria. Ao lado, no chão, havia uma enorme cruz de mais de dois metros de altura, feita de uma madeira dura e pesada. Ela me despiu
até a cintura, deitou-me naquela cruz e depois me amarrou bem nela.
Era daquele jeito que eu começaria a derramar o meu sangue, assim como Jesus derramou o seu no Calvário. Eles me disseram que eu derramaria o meu sangue pela humanidade perdida, mas nunca me informaram sobre como isto seria feito. Agora eu iria aprender uma das muitas maneiras como isto acontece. Havia ali duas outras freiras com um chicote, feito com seis tiras de couro amarradas a um
cabo de madeira. Na ponta de cada tira, foram colocados pedaços de metal afiado. Elas começaram a me
açoitar metodicamente com esses instrumentos cruéis, até minha carne ficar profundamente dilacerada
com centenas de cortes, e o meu sangue se espalhar por todo o chão.
Amarrada do que jeito que estava, não tinha como escapar dos cruéis e dilacerantes golpes daqueles implacáveis chicotes. Permita-me dizer que elas fizeram um trabalho perfeito em mim, pois eu estava
ardendo de agonia e com uma dor horrível. Gritos e gemidos não as faziam parar, e nem elas se
comoviam com meus lamentos de misericórdia. Elas eram bem treinadas e completamente sem coração.
Eu estava mergulhada em um mar de dor e terrível desespero. Era inacreditável, mas estava acontecendo. Pensei que as chicotadas nunca fossem parar. Eu estava impotente e completamente sem defesas.
A Madre Superiora me desamarrou, e eu tombei, gemendo. Por ora, ela achava que eu tinha derramado sangue o bastante. Ela jogou medicamentos aos meus pés, mas não me lavou nem tratou os inúmeros
ferimentos que estavam sangrando no meu corpo. Ela simplesmente puxou minhas roupas de volta, e eu
fui forçada a trabalhar o dia todo, até às 21h15. Não é preciso dizer que passei aquele dia em agonia,
mas ninguém parecia notar. Percebi, com repugnância e horror, o significado dos ensinamentos que eu
tinha recebido, ou seja, de que Deus se alegrava com aquela penitência e com outros sofrimentos.
Aquilo era para nos tornar mais santos.
Aquele dia foi um verdadeiro inferno para mim. Mas aquilo foi só o começo de centenas de dias como aquele. Quando a noite chegava, eu ficava em pé defronte à minha cela, onde tínhamos de permanecer com a vestimenta de freira, de costas umas para as outras. Eu não podia tirar a minha roupa, que estava suja de sangue seco, e grudada nos meus ferimentos. Só depois de várias noites eu pude tirar a roupa.
Foi um processo agonizante e sangrento. Na hora das refeições, eu não tinha fome, em virtude da
terrível dor que estava sofrendo.
Geralmente, eu tirava a roupa, botava uma camisola muçulmana e então entrava na minha cela, para ser trancada durante a noite. Apenas uma placa de madeira nos servia de cama - nada de colchão, travesseiro e cobertor. Antes de nos deixarem deitar, tínhamos de nos ajoelhar e fazer penitência em uma tábua de reza forrada com arame farpado, que perfuravam os joelhos. A parte superior, onde nos prostrávamos com o rosto em terra, era também cheia de arame farpado.
Um outro dia, a Madre Superiora me conduziu por um túnel longo e escuro, para a minha próxima penitência. Entramos em uma câmara. De novo, havia sete velas. Quando estávamos passando por entre
as velas, vi algumas cordas penduradas no teto, com braçadeiras amarradas na ponta. Ela me fez chegar bem perto, com o rosto na parede, e estender os braços. Rapidamente, ela agarrou as bandas de metal e as prendeu com força em volta de cada polegar meu. Então ela deu um passo para o lado, começou a
girar a manivela que levantava as cordas, e eu lentamente fui suspendida, até ficar só com a ponta dos
dedos dos pés tocando o chão. Quando eu estava suspensa, ela amarrou o cabo, saiu sem dizer uma
palavra, bateu e trancou a porta. O peso do meu corpo nos polegares e na ponta dos dedos foi torturante.
Eu já estava gemendo e choramingando de dor. Eu não tinha ideia de quanto tempo ficaria lá. Em uma situação como aquela, você fica se perguntando se vai morrer antes de eles voltarem para te soltar. Com
aquela dor insuportável abalando a mente e o corpo, a morte seria um abençoado escape.
Quando as horas se estendem interminavelmente em dias e noites, não há como calcular por quanto tempo você fica lá. Não há luz do sol e nem barulho, a não ser os seus gritos e gemidos. Era como estar
sendo enterrado vivo, sem comida e sem água. O tormento e o delírio te fazem perder a percepção da realidade, e nada parece real, exceto a tortura e a dor, que estão sempre presentes.
Esta era uma outra técnica da lavagem cerebral que eles fazem. Eu não podia fazer nada além de ficar ali, gritando e chorando. Ninguém podia me ouvir nem ajudar, e nem sequer se importava. Três, quatro,
seis e finalmente dez horas de agonia se passaram. Cada osso, cada músculo e cada nervo do meu corpo
torturado estava implorando por socorro. É impossível descrever aquela dor insuportável e enlouquecedora. E a fome e a sede aumentavam cada vez mais. Quando minhas mãos e meus braços
começaram a ficar muito inchados, eu pensei que iria morrer.
No meu desespero, eu tinha rezado para todas as imagens daquela sala. No final das contas, percebi que a Virgem Maria não estava ouvindo nenhuma palavra que eu estava choramingando. Comecei a gritar
histericamente, implorando a ajuda da minha santa padroeira, de São Judas, São Bartolomeu e de todos
os outros ídolos e santos que conseguia me lembrar. Eu estava rodeada por um silêncio sobrenatural, que era quebrado apenas pelos meus gritos e gemidos, e pela faísca das velas.
Lá estava eu, pendurada, cheia de dores e toda suja de excrementos, pois naquele regime de tortura não há intervalo nem para ir ao banheiro. Exatamente quando eu estava sentindo que ia ficar completamente louca, a Madre Superiora apareceu. Na parede à minha frente, estava uma prateleira adaptável, que ela
levantou até a altura do meu rosto. Ela pôs ali uma panela com água e uma outra panela, contendo uma
pequena batata.
Eu estava morrendo de sede e fome, mas como iria pegar aquilo? Em meio às dores, arrastei-me na ponta dos pés, inclinando um braço, e depois o outro, para alcançar as panelas. Quando pretendi pegá-
las, senti uma dor terrível nos meus pulmões. Na verdade, muitas freiras contraem tuberculose, após
passarem por esta tortura. Entretanto, só depois de muita dor e esforço eu consegui pegar aquela água e
aquela comida. Mesmo assim, deixei cair grande parte dela.
Nove dias depois, a Madre Superiora veio e soltou primeiro um polegar, depois o outro, e eu tombei no chão. Meus lábios estavam inchados e ardiam de dor. Eu sentia meus olhos como se estivessem sendo
arrancados da cabeça, e meus braços estavam três vezes maiores do tamanho normal, de tão inchados. Nenhuma parte do meu corpo ficou livre das dores advindas do tombo que levei.
É claro que eu não conseguia me mexer. Duas freiras me carregaram, balbuciando palavras desconexas, para a enfermaria, e me puseram em uma placa de madeira. Elas cortaram toda a minha roupa, pois eu já
estava saturada com a minha própria urina e fezes. Esta era uma outra etapa do bem planejado programa
de brutalização e desumanização, desenvolvido para produzir robôs incapazes de raciocinar. Depois
desse episódio, fiquei sem poder andar por dois meses e meio, e ficaria feliz se morresse.
Certo dia, fui chamada, e mais uma vez caminhei por aqueles túneis horrorosos, sem saber o sofrimento e a dor com que me depararia. A Madre Superiora me conduziu para dentro de uma sala, onde havia
uma cadeira de assento curto, e encosto alto. Com um empurrão, ela me sentou na cadeira, tirou minha
touca, inclinou minha cabeça para frente e pôs minhas mãos nos meus joelhos. Ela rapidamente amarrou
meus pulsos, para que eu não me mexesse, e me imobilizou na cadeira. Em seguida, posicionou uma torneira acima da minha cabeça careca, e ajustou de forma que caísse uma gota de cada vez.
Encolhi de medo, já antecipando o que viria, pois eu tinha visto outras freiras que foram submetidas àquilo por dez longas horas. Depois de pouco tempo, as gotas caindo no mesmo lugar acabam por desconcertar o mais forte dos seres humanos. Geralmente, eu e outras freiras nos contorcíamos todas,
tentando desesperadamente escapar daqueles pingos d'água, chegando até mesmo a espumar pela boca.
Gritos e choros sempre estão presentes naqueles buracos horrorosos, situados nos subterrâneos, onde
ninguém que tenha um mínimo de humanidade e compaixão pode ouvir. Pedidos de misericórdia somente trazem penas piores e mais demoradas.
Muitas freiras ficaram completamente insanas depois de terem sido submetidas várias vezes a essa pena.
Não se preocupem, o convento também cuida delas. O mundo lá fora nunca vai saber a verdade. Há masmorras subterrâneas para aquelas que têm transtornos mentais e nervosos. Haverá relatórios e registros da freira e de como ela morreu, todos mentirosos.